quinta-feira, 15 de setembro de 2022

BRASIL-PORTUGAL: AMIGOS, AMIGOS, NEGÓCIOS À PARTE

* Murilo Félix

É salutar que Portugal se associe às comemorações do bicentenário da Independência do Brasil, a ponto de mandar seu presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa para os festejos do 7 de Setembro em Brasília. Já em 1972, por ocasião do sesquicentenário, foi pródigo em despachar os restos mortais de dom Pedro I e de dona Leopoldina, devidamente alojados no museu que celebra o Grito do Ipiranga em São Paulo, assim como agora emprestou para exibição o coração do príncipe que proclamou a autonomia brasileira.
Em artigo na Folha de S. Paulo (8/7), o primeiro-ministro Antônio Costa ressaltou os laços sentimentais que unem os dois países: “Ao mesmo tempo, houve também a noção de que a relação bilateral entre Portugal e o Brasil, que é umbilical, deve ser constantemente atualizada para que faça sentido para ambos os lados e sirva a interesses mútuos. Ora, esta efeméride permite-nos falar do passado e alicerçar as bases futuras de forma descomplexada.”
A separação não foi, no entanto, nem amigável nem pacífica nem barata. Em 1822, houve resistência dos portugueses, travando-se uma guerra sangrenta. A seguir, sobreveio outra batalha, a do reconhecimento do novo império. Lisboa recusou-se a discutir o assunto durante três anos, até que em 1825 dom João VI nomeou o hábil diplomata inglês Charles Stuart para vir ao Brasil negociar o reconhecimento que também interessava à Inglaterra.
De imediato, dom Pedro antipatizou com Stuart, mas formou uma comissão de negociadores integrada pelo ministro Luís José de Carvalho e Melo e os conselheiros de Estado Francisco Vilela Barbosa e o barão de Santo Amaro, mas informalmente dela participavam o marquês de Barbacena e a imperatriz Leopoldina atuando como tradutora, e, nos bastidores, a amante marquesa de Santos, no seu papel de influenciadora do imperador. Chamou atenção, aliás, que antes de se encontrar com a imperatriz, Stuart visitou a marquesa e, ao final das negociações, afirmou que coube “à influência da Senhora Domitila de Castro a remoção de um obstáculo que teria feito malograr toda a negociação.”
Domitila convenceu dom Pedro a aceitar um parecer de Barbacena que contrariava o que outros negociadores brasileiros haviam escrito em seu rascunho do tratado, dando conta de que ele se tornara imperador "por graça de Deus e unânime aclamação dos povos". Stuart achava que tal menção à participação popular não agradava a Portugal, e ao final ficou a redação "segundo a Constituição do Estado”.
Dom João Vi fez questão de inscrever no tratado que concedera "de sua livre vontade, a soberania do dito império [do Brasil] ao mesmo seu filho, e legítimos sucessores, e tomando somente, e reservando para a sua pessoa o mesmo título" – ou seja, não fora uma iniciativa nacionalista seguida de uma guerra clássica de emancipação., omitindo-se que dom Pedro nem quis tomar conhecimento de várias propostas do pai para que houvesse umas reunião das duas coroas e ele administrasse o Brasil com alguma autonomia.
Tamanho atentado aos fatos seria desprezível se comparado a outras cláusulas mais abusivas, a começar de uma indenização de dois milhões de libras esterlinas disfarçada na forma de pagamento de um empréstimo que Portugal devia à Inglaterra. O embaixador Stuart, aliás, apesar de nomeado por dom João, fora indicado por aquele país para defender os interesses ingleses, o que resultou em condições muito vantajosas para Londres.
Os produtos ingleses, que já constituíam os principais itens do comércio exterior do Brasil, pagariam uma alíquota de importação de apenas 15%, enquanto os dos demais países seriam taxados em 25%. Não menos importante foi a imposição de o Brasil abolir o tráfico negreiro dentro de quatro anos – medida que só seria efetivada muito tempo depois. Dom Pedro tinha escravos cativos em suas propriedades, mas era a favor da abolição da escravatura, e certamente assinou de bom grado essa proposta, mas ela lhe custaria a oposição da elite de comerciantes e proprietários que baseavam a estrutura econômica do país no trabalho dos negros cativos.
Se outros países, como Argentina, França e Estados Unidos já haviam reconhecido a nossa independência, o tratado com Portugal (e a Inglaterra...) foi essencial para que o Brasil ingressasse soberano no concerto das nações.

*Deputado Estadual

IMPOSTOS DE (E PARA) SÃO PAULO

* Murilo Félix

A campanha lançada pelo governador Rodrigo Garcia para aumentar a parcela de impostos aqui recolhidos que a União devolve ao Estado de São Paulo tem antecedentes históricos e já figurou nos debates pela Proclamação da República. O empresariado que surgiu do dinâmico e lucrativo ciclo do café na segunda metade do século XIX almejava um país mais moderno, baseado no trabalho livre e em um pacto federativo mais justo, reivindicando uma reforma tributária.
Os republicanos paulistas já no século XIX se queixavam da mesma forma que o atual governo dos bandeirantes. Nos cálculos do governador Garcia, São Paulo arrecada impostos federais (IOF, II, IPI, IRPF, IRPJ, Cofins, PIS / Pasep, CSLL, INSS) e remete para Brasília nada menos que R$ 720 bilhões e recebe de volta apenas R$ 46 bilhões, "15 vezes menos do que a gente manda".
Considere-se que o bolo dos impostos federais não é repartido de forma proporcional à população dos estados. São Paulo, o mais populoso, com 47 milhões de habitantes, ou 22% dos brasileiros, recebe 15% do que remete. Já o Maranhão, com 7,1 milhões de habitantes (3,2% do total), envia R$ 6,6 bilhões e recebe o triplo de volta: R$ 21,4 bilhões. O Tocantins, com 1,6 milhão de moradores (0,7%), aufere muito mais: manda R$ 1,8 bilhão e embolsa R$ 8,1 bilhões.
Por certo, essa divisão tão disparatada é baseada na fórmula Robin Hood, de tirar dos ricos para dar aos pobres. No entanto, a reclamação do governo paulista faz sentido, por serem os números muito desproporcionais – e São Paulo recebe muitos migrantes dos demais estados e carece de obras investimentos não cobertos por seu orçamento de R$ 286 bilhões, engordado principalmente pelo ICMS.
A reivindicação repete, 135 anos depois, a queixa de delegados ao congresso de 1887 do Partido Republicano Paulista, fundado principalmente pelos fazendeiros do café que forjavam o mais próspero ciclo econômico da História do Brasil e seria uma forçai decisiva para a extinção da Monarquia. Na liderança desse movimento, destacou-se Manual Ferraz de Campos Salles, que iria ser presidente (governador) de São Paulo de 1896 a 1897 e depois o quarto presidente do Brasil (1898-1902), mas antes disso foi ministro da Justiça do governo provisório de Deodoro da Fonseca e um entusiasmado apoiador do marechal Floriano Peixoto na guerra de consolidação da República.
 Naquele congresso de 1887 do Partido Republicano reclamava-se da ínfima representação política nos governos monárquicos e da injustiça tributária. Enriquecendo com a lavoura cafeeira, São Paulo pagava impostos pesados e contribuía com a sexta parte da renda total que as províncias forneciam ao Império. Segundo anotação do professor Marcello Otávio N. de Basile, em História geral do Brasil, os paulistas remetiam 20 mil contos de réis e recebiam de volta apenas 3 mil contos – ou seja, 15% do total enviado.
Republicanos mais exaltados até cogitavam da separação, como, também por disputa de impostos, iria fazer o Rio Grande do Sul em 1836, ao proclamar a República de Piratini, só regressando ao seio do Império em 1845 ao fim de uma sangrenta guerra civil.
Felizmente, prevaleceu o bom senso, e São Paulo permaneceu como parte e locomotiva dessa nação fraterna e solidária que é o Brasil.  Quanto à questão dos impostos, é caso de sentar, discutir um novo perfil tributário e fazer um acerto de contas.

 * Deputado Estadual

sexta-feira, 26 de agosto de 2022

A POLÍTICA DO BEM

        *Murilo Félix

 

“Todo homem tem o sagrado direito de torcer pelo Vasco em arquibancada do Flamengo.”

Millôr Fernandes, em O Livro Vermelho dos Pensamentos de Millôr.

 

 

Vivi esta experiência na pele em 12 de abril de 2009, quando fui ao estádio do Pacaembu assistir ao meu São Paulo enfrentar o Corinthians. Na verdade, o interesse maior era ver pela primeira ao vivo um dos meus maiores ídolos no futebol, que, embora vestisse a camisa do adversário, continuava a ser para todos os torcedores o Ronaldo Fenômeno que deslumbrou o mundo ao dar o pentacampeonato ao Brasil ao marcar os dois gols da final contra a Alemanha em 2002. Houve, no entanto, um contratempo: não havia mais ingressos na torcida são-paulina. Não tive dúvidas: fui exercer o sagrado direito de que falou Millôr Fernandes no meio dos corintianos.

A experiência me serve de bússola política nesses tempos de polarização, em que o Brasil parece dividido entre as turmas do “nós” e “eles”, como se ter uma posição política, desde que avalizada pelo Estado Democrático de Direito, fosse uma ofensa a ser combatida pelos que professam outro credo. Centrista de formação, me equilibro entre os extremos que se ofendem e travam a disputa político-partidária como se fosse uma batalha campal, em que a vitória só tem sentido se for seguida da destruição do adversário – na verdade, tratado como inimigo mortal. Chegamos ao lamentável ponto de nem se poder sair à rua com uma camiseta ou adesivo partidário, sem o risco de ser hostilizado e até agredido.  

Tais reflexões vêm a propósito da campanha eleitoral que estou realizando pela reeleição a deputado estadual pelo Podemos. É minha quarta campanha, pois também concorri à Prefeitura de Limeira em 2016 e 2020 – e nela, como nas anteriores, me engajo com o firme propósito de mais expor minhas propostas do que atacar os concorrentes. Não pratico e desaprovo quem pratica agressões de qualquer tipo, sobretudo as baseadas em ofensas pessoais e calúnias contra a honra do outro. Jamais me vali das chamadas fake news nos debates francos que travei. Sigo um conselho do ex-deputado Ulysses Guimarães: “Na política, em geral, e especialmente no poder, se você não pode fazer um amigo, não faça um inimigo.”

Desde cedo, aprendi com meu pai, Sílvio Félix, prefeito de Limeira de 2005 a 2012, que a Política – com pê maiúsculo – é a arte de administrar os conflitos. É a ferramenta que os democratas utilizam para se habilitar ao poder na democracia representativa, atuando em nome dos eleitores que concordam com o programa apresentado pelo candidato. O Legislativo, principalmente, poder popular por excelência, é a representação perfeita do mosaico da sociedade, acolhendo as diversas correntes e ideologias em um só ente do Estado. É a casa do pluralismo, da multiplicidade, dos grupos, os quais, embora segmentados e fiéis a suas posições, convivem respeitosamente em busca de consenso que atenda ao interesse público. Se se formam maiorias e minorias, se existem situação e oposição, todas são respeitadas e tratadas entre si pelas regras sagradas da convivência democrática.

Quem exerce cargo público se deve manter fiel ao programa que o elegeu, mas sua missão é servir não apenas a seus eleitores, e sim ao conjunto da sociedade, ocasionalmente até atuando em parceria com os membros de outros partidos e de ideias diferentes em prol do bem-estar da coletividade. Como deputado, tenho aprovado emendas que beneficiam a população de Limeira com recursos para as áreas de saúde, educação, transportes e habitação, independentemente de ter concorrido com o atual prefeito na eleição de 2020 e de ele ser meu adversário político. Vale mais a lição de Napoleão Bonaparte: “Em política, convém curar os males, nunca os vingar.”

Recentemente, criei uma novidade quando solicitei aos vereadores, também sem discriminar partidos, que indicassem a destinação fatiada de uma emenda de R$1,050 milhão que aprovei na Assembleia em benefício de Limeira. Considerando que eles conhecem mais a fundo as necessidades da cidade, puderam escolher as áreas carentes em que a verba será aplicada. Um do PL destinou R$ 100 mil para a aquisição de um ventilador mecânico a ser usado pelos pacientes de covid-19 internados na Santa Casa. Outro, do Cidadania, indicou o investimento de R$ 50 mil na saúde, divididos entre o Dispensário Madre Teresa de Calcutá e Comunidade Católica Davi. A vereadora do PT também atendeu à área da saúde com R$ 50 mil. Por indicação conjunta de representantes do Republicanos, PV, PSC, PSDB e MDB, R$ 350 mil serão aplicados em habitação – e assim por diante, todos conservando suas posições distintas, mas marchando juntos em favor do povo.

 P.S. Naquele domingo de 2009, quando Cristian fez um gol no São Paulo, eu, são-paulino na torcida do Corinthians, fui abraçado por um armário de dois metros de altura, completamente suado, que me jogou para cima de tanta alegria. Não comemorei, claro, mas sabe Deus se não teria aplaudido se o gol fosse do Fenômeno...  

 

 *Deputado Estadual

quarta-feira, 24 de agosto de 2022

DIREITOS E PROTEÇÃO DAS PESSOAS COM AUTISMO

Murilo Félix *
 
Em mais um movimento para atender às crianças autistas, a advogada Carla Borges Bertin criou um site para orientar os pais quanto aos direitos legais de filhos portadores desse transtorno neurológico cujo diagnóstico vem aumentando no Brasil. A plataforma Autista Legal (https://www.autismolegal.com.br) contém, segundo reportagem do jornal O Estado de S.Paulo (14/6/2022), “lives e outros materiais sobre direitos referentes a planos de saúde e a atendimento no SUS, benefícios sociais para famílias em situação de vulnerabilidade, entrada gratuita em parques de diversão, transportes e muito mais.”
A iniciativa vem se somar a meu projeto de lei recém-apresentado na Assembleia Legislativa, determinando a disponibilização nas escolas estaduais de profissionais com certificação técnica ou ensino superior especializado para atendimento dos alunos autistas. Não há uma estatística disponível, mas é sabido que a rede pública tem matriculado muitas crianças portadoras desse transtorno, e elas não têm recebido atendimento adequado. Os professores ficam sobrecarregados em cuidar de alunos que na verdade têm necessidades especiais, a serem atendidas por profissionais habilitados para a função.
Uma de suas tarefas mais importantes será auxiliar na integração e socialização da criança ou jovem autista na escola. Infelizmente, eles ainda sofrem preconceito e até bulling por parte de colegas, que precisam ser orientados para uma convivência harmônica e respeitosa.
O avanço da pesquisa científica sobre o assunto tem demonstrado que o autista pode conviver sem problema com os colegas, e um ambiente acolhedor e fraterno lhes permite não só bom rendimento escolar como o desenvolvimento de sua habilidade para receber o conhecimento que a escola proporciona.
Apesar de suas limitações de comunicação, o autista não é incapaz. Orientado e protegido, ele pode ser muito bem-sucedido na sociedade – a exemplo de Bill Gates, o gênio da informática que criou a Microsoft e popularizou o uso dos computadores; o premado ator Anthony Hopkins e o empresário Elon Musk, fundador da empresa espacial  SpaceX e da fábrica de carros elétricos Tesla, nada menos que o homem mais rico do mundo.
 
*Deputado estadual

CÂMERAS QUE POUPAM VIDAS

       Murilo Félix* 

 
Já na pré-campanha eleitoral entrou em debate o uso de câmeras de vigilância pela Polícia Militar durante o patrulhamento das ruas. Pelo menos dois pré-candidatos ao governo de São Paulo, Tarcísio de Freitas, do Republicanos, e Márcio França, do PSB, adiantaram a posição de que, se eleitos, vão reestudar a continuidade dos aparelhos no uniforme dos PMs. O governador Rodrigo Garcia (PSDB) disse que não só apoia como pretende ampliar o programa, intitulado Olho Vivo, aumentando até o fim do ano de três mil para 10 mil as câmeras usadas por 18 batalhões no Estado.
Prática inaugurada em 2012 pela cidade de Rialto, nos Estados Unidos, e adotada em São Paulo em junho de 2021, o uso do aparelho por policiais em serviço tem se mostrado um inibidor de incidentes, sobretudo dos casos chamados de “resistência”, em que pessoas abordadas terminam mortas. Os confrontos com suspeitos caíram em mais de 80%, e o número de mortos despencou.
De 1.º de junho a 31 de dezembro de 2020, foram registradas 110 mortes por intervenção policial nos batalhões que ainda não portavam as câmeras. No ano passado, nos mesmos meses e unidades, as mortes foram 17. Uma redução de 84,5%.  
A Rota, o batalhão mais letal, reduziu drasticamente o número de óbitos. Segundo dados divulgados pelo jornal Folha de S. Paulo, os PMs da ronda ostensiva mataram 52 pessoas nos últimos sete meses de 2019, e 35 no mesmo período de 2020, quando não usavam as câmeras. De janeiro a julho de 2021, já com o equipamento instalado no colete, gravando em vídeo e áudio suas nas atividades nas ruas, os policiais ceifaram quatro vidas.
As câmeras também protegem os PMs, inibindo ações que se revelariam desnecessárias e potencialmente letais: apenas um morreu em serviço no ano passado.
Um dado importante demonstra que as câmeras não atrapalham o serviço da polícia: a produtividade não caiu. Nos batalhões que usam o equipamento, os flagrantes cresceram 41,4%, e as apreensões de armas de fogo subiram 12,9%.
O sucesso do programa Olho Vivo, ao preservar a vida dos policiais e de suspeitos abordados na rua, e no atendimento a denúncias de crime em andamento, tem um indicador a mais: está sendo copiado por outros estados. Acaba de ser implantado no Distrito Federal, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.
 
*  Deputado estadual

RACISMO ANIMAL EM DOSE DUPLA

 Murilo Felix *

 
Um dos tentáculos mais atrozes do racismo à brasileira é a discriminação de animais. Acreditem: muita gente rejeita um pet preto. Os gatos sofrem com a lenda medieval de que dão azar. Mas os cães também são discriminados, pelo mesmo preconceito de cor que segrega pessoas negras.  
No Facebook, fiz a pergunta “Você adotaria um vira-lata preto? São os que mais sofrem maus-tratos.” As curtidas passaram de duas mil, além de 102 compartilhamentos e 1.700 comentários. Claro, não apareceu ninguém para defender publicamente essa forma odiosa de racismo que atinge os animais. As respostas majoritárias dos que, sim, adotaram ou adotariam cachorros pretos, mostraram, no entanto, que ainda é forte e bonito o senso de benevolência que considera todo ser vivo digno e merecedor da fraternidade que deveria inspirar a convivência dos homens entre si e com seus animais de estimação. 
Tenho dificuldades de compreender como um país tão miscigenado como o Brasil, em que grande parte da população é negra ou parda, mas principalmente mestiça, pode ter um índice tão alto de racismo. Curiosamente, as pesquisas mostram que a maioria das pessoas reconhece que há preconceito, mas não da parte delas. Fato é que a toda hora vemos episódios de injúria racial no dia a dia dos brasileiros. Atendentes em lojas, restaurantes, etc., usuários de serviços públicos, jogadores de futebol, são frequentes vítimas de manifestações que desqualificam o ser humano.
Felizmente, os movimentos antirracistas estão tendo voz, as denúncias estão aumentando e dispomos de uma legislação enérgica, e repressora desses atos. Ainda falta, no entanto, uma revolução nos sentimentos, uma onda altruísta que varra de vez o preconceito de uns contra outros, e todos sejam tratados pelo que são e jamais pela cor da pele.
Tal movimento deve se estender aos animais. Gostaria que essas pessoas que torcem o nariz para um pet preto explicassem o que torna eles tão indesejáveis. O que distingue, em qualquer critério que se use, um cachorro preto de um cachorro branco? Um é mais carinhoso, inocente, brincalhão do que o outro?
 
* Deputado estadual

terça-feira, 23 de agosto de 2022

EVOLUÇÃO DA PROTEÇÃO DOS ANIMAIS

 *Murilo Félix

 

Para situar, com base no ordenamento jurídico nacional, o projeto de emenda constitucional (PEC) idealizado por mim e Dimitri Sean para instituição do Estatuto de Proteção Animal, compilamos iniciativas internacionais e a legislação pertinente em nosso país. Depois da aprovação do Estatuto, cuja PEC tramita no Congresso Nacional, teremos consolidado no Brasil um ramo do Direito dos Animais, como o Penal, o Civil, o do Consumidor, distinto do Direito Ambiental em que hoje genericamente se inclui. 

A evolução da legislação consolida o entendimento progressista de que os animais não são coisas, mas seres sencientes aos quais a Humanidade se deve obrigar a proporcionar cuidado e respeito.

 

 

História da proteção dos animais – I

 

Segundo a tradição das Sagradas Escrituras, o primeiro protetor dos animais foi o próprio Criador. Deus mandou Noé construir uma arca para abrigar um casal de cada espécie de animais existentes na Terra e assim poupá-los do dilúvio universal que duraria 40 dias e 40 noites como forma de expiação dos pecados do homem.

Consta do livro do Gênesis (6:9):

“Disse também Deus a Noé e a seus filhos:

Eis que eu vou estabelecer a minha aliança convosco e com a vossa posteridade depois de vós; e também com todo o animal vivente que está convosco: com as aves, com o gado e com todo o animal da terra, desde todos os que saem da arca até todo o animal da Terra.”

Passada a quarentena, a arca encalhou no monte Ararat, localizado onde hoje se situa a Turquia, e a Humanidade renasceu acompanhada de todos os seres vivos que haviam habitado a Terra por ocasião da Criação.

A Ciência confirma que houve dilúvios, mas regionais, como consequência do degelo das calotas polares na última glaciação, ocorrida há 12 mil anos –- uma quantidade tão grande de água a cobrir o planeta que não possibilitaria a sobrevivência de nenhuma espécie.

 

História da proteção dos animais – II

 

Um dos primeiros paladinos da causa animal foi São Francisco de Assis, em pleno século XII, ou seja, na Idade Média, quando se acha – erradamente – que tudo era atrasado e bruto. Franciso tratou a fauna do mundo, em especial os animais já domesticados, como criaturas de Deus que mereciam respeito e carinho.

“Todas as coisas da criação são filhos do Pai e irmãos do homem... Deus quer que ajudemos aos animais, se necessitam de ajuda. Toda criatura em desgraça tem o mesmo direito a ser protegida”, dizia o santo católico, que até pregava para os bichos, e montou o primeiro presépio, com animais vivos, por ocasião do Natal.  Diz a lenda que amansava os ferozes que se aproximavam e conversava com os mansos que recebiam sua bênção.

A postura de Francisco traçou uma rota de proteção da fauna que que hoje é seguida por todas as religiões que têm o Cristianismo como matriz – e ele ficou como Padroeiro dos Animais.

 

História da proteção dos animais – III

 

A primeira legislação de proteção dos animais foi inscrita no Corpo de Liberdades de Massachusetts, que estabeleceu direitos e deveres dos cidadãos desse que seria um estado americano após a independência da Inglaterra. Em 1641, o código fixou no artigo 92 que ninguém poderia “exercer qualquer tirania ou crueldade em relação a qualquer criatura bruta que geralmente é mantida para uso do homem."

A lei pioneira dedicada exclusivamente à proteção dos animais foi aprovada pelo Parlamento da Inglaterra, em 1822. A British Cruelty to Animal Act (Lei Britânica contra maus tratos de animais) ficou mundialmente conhecida quando, ao denunciar um vendedor de frutas que maltratava seu burro, o autor da lei, Richard Martin, fez questão de levar o muar ao parlamento para comprovar os maus tratos.  

Um dos resultados benfazejos da legislação foi a criação em 1824 da Royal Society for the Prevention of Cruelty to Animals (RSPCA), que se espalhou pelos países da Comunidade Britânica, e a partir dela multiplicaram-se pelo mundo as uniões internacionais protetoras dos animais. A UIPA do Brasil foi instituída já em 1895 (é a nossa ONG mais antiga...), por inspiração do suíço Henri Ruegger, que, comovido com maus tratos aos cavalos que puxavam carroças nas ruas, indignou-se ao saber que não havia a quem fazer uma denúncia.

Desde então, a UIPA luta por leis que proíbam os homens de maltratar os seus amigos queridos do reino animal.

  

História da proteção dos animais – IV

 

O Brasil tem desde 1924 legislação para tratar especificamente do amparo aos animais. Naquele ano, com data de 10 de setembro, foi promulgado o decreto n.º 16.590, do presidente Artur Bernardes, que regulamentava as casas de diversões públicas. Pioneiramente, proibia corridas de touros, rinhas de galos e de passarinhos (em especial, canários) e demais ações que causassem sofrimento aos bichos. A seguir, o decreto 24.645, de 10 de julho de 1934, já do presidente Getúlio Vargas, dispôs que “Todos os animais existentes no País são tutelados do Estado”, definiu mais de três dezenas de maus tratos contra eles, puníveis com penas de multa de 20 a 50 mil-réis e “prisão celular” de 2 a 45 dias, “sem prejuízo da ação civil que possa caber.”

As transgressões foram ratificadas pelo decreto-lei n.º 3.688, de 3 de outubro de 1941, que instituiu a Lei das Contravenções Penais. Ainda em vigor, o artigo 64 já estabelece:

“Tratar animal com crueldade ou submetê-lo a trabalho excessivo: Pena – prisão simples, de dez dias a um mês, ou multa, de cem a quinhentos mil-réis.

§ 1.º Na mesma pena incorre aquele que, embora para fins didáticos ou científicos, realiza em lugar público ou exposto ao público, experiência dolorosa ou cruel em animal vivo.

§ 2.º Aplica-se a pena com aumento de metade, se o animal é submetido a trabalho excessivo ou tratado com crueldade, em exibição ou espetáculo público.“

 

História da proteção dos animais – V

 

Uma lei revolucionária foi a de n.º 5.197, de 3 de janeiro de 1967, que equiparou o Brasil a nações exemplarmente preservacionistas do mundo ao dispor sobre a proteção da fauna. A cultura destrutiva da vida animal, praticada sobeja e impunemente ao longo de 500 anos, foi combatida pela reestatização dos animais e criminalização da caça, comércio e cativeiro. O artigo 1.º é taxativo:

“Os animais de quaisquer espécies, em qualquer fase do seu desenvolvimento e que vivem naturalmente fora do cativeiro, constituindo a fauna silvestre, bem como seus ninhos, abrigos e criadouros naturais são propriedades do Estado, sendo proibida a sua utilização, perseguição, destruição, caça ou apanha.”

As penas iniciais iam de três meses a um ano de prisão simples ou multa de uma a dez vezes o salário-mínimo mensal do lugar e da data da infração, ou ambas as penas cumulativamente, depois aumentadas, em alguns casos, pela lei n.º 7.653; de 12 de fevereiro de 1988, para reclusão de dois a cinco anos.

A multa pela morte de indivíduo de espécie constante de listas oficiais de fauna brasileira ameaçada de extinção, inclusive da Convenção de Comércio Internacional das Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção (CITES), é de R$ 5.000,00.

 

 

História da proteção dos animais – VI

 

 Em 27 de janeiro de 1978, os organismos do reino Animalia foram agraciados com um documento da mais elevada importância, a Declaração Universal dos Direitos dos Animais, proclamado pela Unesco – a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. Em um conjunto de 14 artigos, sustentados pelo preâmbulo de que “o respeito dos homens pelos animais está ligado ao respeito dos homens pelo seu semelhante”, o documento dita já nos artigos iniciais:

Art. 1º - Todos os animais nascem iguais perante a vida e têm os mesmos direitos à existência.

Art. 2º 1. Todo o animal tem o direito a ser respeitado. 2. O homem, como espécie animal, não pode exterminar os outros animais ou explorá-los violando esse direito; tem o dever de pôr os seus conhecimentos ao serviço dos animais.

3. Todo o animal tem o direito à atenção, aos cuidados e à proteção do homem.

Art. 3º 1. Nenhum animal será submetido nem a maus tratos nem a atos cruéis. 2. Se for necessário matar um animal, ele deve de ser morto instantaneamente, sem dor e de modo a não provocar-lhe angústia.”

O artigo 6.º diz que “Todo o animal que o homem escolheu para seu companheiro tem direito a uma duração de vida conforme a sua longevidade natural. 2. O abandono de um animal é um ato cruel e degradante.”

 

História da proteção dos animais – VII

 

O coroamento da proteção legal aos animais no Brasil se deu em 1988, com a inscrição no artigo 225, § 1.º, inciso VII da Constituição da República da obrigação de o Poder Público “proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.”

Foi a primeira Constituição do Brasil a incluir, em seus dispositivos norteadores da legislação ordinária, a proteção do meio ambiente, e com ele a dos aninais, sem distinção entre domésticos e silvestres.

Ao vedar as práticas que submetam os animais à crueldade, a Constituição sinalizou um cuidado ético com todos os seres que habitam o território nacional.

 

História da proteção dos animais – VIII

 

A lei n.º 9.605, de 12 de fevereiro de 1998 regulamentou o artigo 225 da Constituição e dispôs sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. Conhecida como Lei dos Crimes Ambientais, ficou como uma das legislações mais detalhadas e rigorosas do mundo sobre o assunto. Define como crime, em seu artigo 32,

“Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:

Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.

§ 1.º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.      

A lei n.º 14.064, de 29 de setembro de 2020, alterou esse artigo para tornar as penas mais severas, e incluiu como § 1.º A: “Quando se tratar de cão ou gato, a pena para as condutas descritas no caput deste artigo será de reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, multa e proibição da guarda.”

§ 2.º A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal.”

 

História da proteção dos animais – IX

 

A lei n.° 11.794, de 2008, criou o Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea), órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia, para disciplinar o uso de animais em atividades de ensino e pesquisa científica, de forma humanitária, sobretudo em centros de criação, biotérios e laboratórios de experimentação animal, visando a evitar práticas dolorosas e cruéis.

É um desdobramento regulatório do artigo 32 da lei n.º 9.605/1998, que pune ato abusivo e maus tratos a animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos.

As cobaias devem ser adequadamente sedadas, e todo procedimento, gravado para conferência ou evitar a repetição de erros.

 

História da proteção dos animais – X

 

Existem ainda no ordenamento jurídico outros decretos e leis voltados à proteção animal, como o decreto-lei n° 221, de 28 de fevereiro de 1967 (Código de Pesca), lei n.º 6.638, de 8 de maio de 1979 (Lei da Vivissecção), lei n.º 7.173, de 14 de dezembro de 1983 (que inclui o tratamento dos animais em jardins zoológicos) e a lei n.º 7.643, de 18 de dezembro de 1987, que proíbe a pesca de cetáceos nas águas jurisdicionais do Brasil.

Alguns estados, e mesmo municípios, também editaram suas próprias leis. O Rio Grande do Sul foi pioneiro na criação de um Código Estadual de Proteção aos Animais, instituído pela lei Estadual n.º 11.915 em 21 de maio de 2003.

O estado de São Paulo tem desde 2005 a lei de n.º 11.977, que instituiu o Código de Proteção dos Animais, com normas para a preservação da fauna silvestre e para proteção dos animais domésticos. A esses, a administração pública deve oferecer o controle de zoonoses, por vacinação, e de reprodução de cães e gatos.

A lei n.º 17.497, de 1921, instituiu o Programa de Proteção e Bem-Estar dos Animais Domésticos, criando o Registro Único de Tutor, para identificação do dono do animal, forma de responsabilizá-lo em caso de maus tratos.

Já a lei n.º Lei 17.389, também de 2021, proíbe soltar fogos de artifício com estampido capaz de assustar os animais.

São Paulo já dispõe de uma Delegacia Eletrônica de Proteção Animal, que em 2021 recebeu 17. 962 denúncias de maus tratos.  Santa Catarina também tem a sua, e outros estados, a exemplo de Espírito Santo, Goiás, Paraná e Rio de Janeiro contam com projetos semelhantes em tramitação nas Assembleias Legislativas.

 

*Deputado Estadual

terça-feira, 24 de maio de 2022

DIESEL ABUSIVO

Além de pesar no bolso dos caminhoneiros, o aumento mais recente no preço do diesel chegará mais uma vez na mesa do brasileiro afinal, subindo o custo do transporte, o preço do arroz, do feijão, do remédio, das ferramentas, das roupas, também sobe. Tudo sobe. Não tem jeito.

Os setores produtivos e os prestadores de serviço são penalizados, o poder de compra do trabalhador fica ainda menor e o orçamento doméstico cada vez mais encolhido.

E por mais que culpem os fatores externos, em outros países, como nos Estados Unidos por exemplo, a inflação não está subindo como no Brasil. A resposta para essa diferença é a carga tributária. 

Nós temos que reduzir as alíquotas dos impostos. Não tem outro caminho. É inadmissível que o custo do diesel seja maior que o da gasolina e que tudo continue subindo.

O que defendo aqui é um debate sério, acompanhado de atitudes, porque quem lidera não é escolhido líder para encontrar justificativas para não fazer. Um líder tem que encontrar soluções e agir. 

Como deputado estadual, com um pouco mais de um ano de mandato, meu empenho é para que o secretário estadual da Fazenda estude alternativas para viabilizar a redução do Imposto de Circulação de Mercadoria e Serviços (ICMS) do diesel. 

Entendo que há amparo legal para essa iniciativa, ainda que exista o risco da chamada guerra fiscal, um fenômeno que se intensificou nos anos 90 caracterizado principalmente pela disputa entre os estados para atrair empresas. 

O que defendo aqui é que busquemos uma solução conjunta para um problema comum a todos os estados, que não tem limites territoriais. 

Pertinente lembrar a decisão recente do ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal (STF), que suspendeu a forma como os estados aplicaram a alíquota única do ICMS que incide sobre o óleo diesel, atendendo ao pedido do ministro André Mendonça atendeu a pedido da Advocacia-Geral da União (AGU).

Se os representantes dos estados não sentarem à uma mesa séria de discussão para esse alinhamento qualquer projeção de controle inflacionário, recuperação econômica, geração de empregos e renda e crescimento ficará no campo da utopia.

Temos um país rico e com um potencial timidamente explorado, haja visto o exemplo recente que demos neste espaço sobre a dificuldade das startups encontrarem mão de obra. Mas nenhum avanço haverá sem cortar na própria carne.


JORNAL A CIDADE - 14 DE MAIO DE 2022





sexta-feira, 20 de maio de 2022

É PRECISO CORTAR NA PRÓPRIA CARNE

A disparada no preço dos combustíveis sacrifica desde o orçamento doméstico até a economia do ponto de vista macro, em seus mais variados índices preocupantes, entre eles a inflação acima dos dois dígitos – 10,38% nos últimos 12 meses. 

Ao lado e ligada também aos aumentos sucessivos nos valores dos alimentos, é um dos principais motivos de encolhimento do poder de compra das famílias, de encarecimento dos custos de produtos e serviços e consequentemente todo o efeito dominó que provoca, dificultando qualquer projeção mais otimista de saída desse ciclo e recuperação econômica.

O alerta sobre o impacto dos preços dos combustíveis já havia sido dado, mas somente agora, coincidentemente em ano eleitoral, o Senado parece debruçar com mais ênfase nesta discussão. E ainda assim, mesmo com quatro propostas apresentadas, a votação foi adiada na última quarta-feira.

A demora e a ausência de tomada de decisões por parte do governo contrastam com o avanço do calendário. Já estamos na segunda quinzena de fevereiro de 2022, amargamos os efeitos de mais de dois anos de pandemia e o setor produtivo desse país não suporta mais esperar. 

O bolso do trabalhador, o fluxo de caixa das empresas e a saúde financeira dos empreendedores estão no limite. Não há mais condições de ficar aguardando uma eventual redução nos preços do barril do petróleo no mercado internacional ou quedas expressivas do dólar que ajudem a reduzir os preços dos combustíveis nas bombas. 

É válida e necessária aprofundar toda a discussão de projetos e ideias, inclusive criação de fundos de estabilidade ou mudanças de parâmetros no cálculo dos preços dos combustíveis praticados pela Petrobrás que tenham reflexos futuros, mas nada substitui a necessidade de o governo cortar na própria carne. É esse o debate sério e urgente que precisa ser feito, reduzindo, sem demagogia, os altos índices tributários que incidem sobre os preços, sem distinção, entre governos federal e estadual. A conta não pode ficar apenas para um ente federativo e muito menos para quem vai abastecer.

Qualquer discussão de preço que não encare a necessidade de revisão tributária é superficial.



JORNAL A CIDADE - 19 DE FEVEREIRO DE 2022



sexta-feira, 13 de maio de 2022

VITILIGO

Assumi meu mandato como deputado estadual há pouco mais de um ano e defendo várias causas na área da saúde, entre elas o vitiligo.

Conhecida normalmente por manchas no rosto e no braço, essa doença é causada pela diminuição ou pela ausência de “melanócitos”, que são as células responsáveis pela produção de melanina, que é o pigmento da nossa pele.

No meu caso, tudo começou com uma mancha na perna aos dez anos. Mas nunca quis falar sobre isso. Pelo contrário. Quando usava shorts tomava cuidado para a mancha não aparecer. Eu via outras pessoas com manchas no rosto, nos braços e pensava como seria a reação das pessoas comigo. 

Mas hoje, como deputado, vejo uma oportunidade de falar sobre isso, apoiar as pessoas que têm essa doença e incentivá-las a ter uma vida normal.

Também sinto o dever de alertar as pessoas que convivem com quem te vitiligo: combatam o preconceito. É preciso também discutir esse assunto com o setor empresarial para que essas pessoas não sofram nenhum tipo de prejuízo pessoal e profissional. 

Faço questão de dar meu testemunho: o vitiligo é ligado, segundo os médicos, ao estresse, pressões psicológicas, dramas pessoais. Ele pode manchar a pele, mas jamais a alma ou o caráter de alguém. No meu caso, essa doença me tornou mais forte para falar sobre ela. 

Agora, como deputado, me sinto no dever de promover e apoiar políticas públicas, propor leis, chamar a sociedade a participar dessa discussão, as prefeituras e todo o setor público a apoiar pesquisas para tratamento e cura.

Quero, através de um documento amplamente assinado pela população, propor ao Governo do Estado de São Paulo que todas as cidades tenham um ambulatório de doenças de pele especializado e que ofereça tratamento e apoio psicológico aos pacientes com vitiligo e com outras doenças de pele. Muitos desses pacientes são crianças. Então, nas escolas do Estado de São Paulo também é necessário se falar desse assunto, promovendo desde cedo o respeito e o combate ao preconceito. 


Se tiver interesse pela causa, é possível assinar esse documento através do link https://murilofelix.com.br/metform-form/vitiligo/


JORNAL A CIDADE - 8 DE MAIO DE 2022



quinta-feira, 28 de abril de 2022

AS CORES DE ABRIL

Iniciamos o mês com reflexões sobre alguns dos desafios diários enfrentados pelas famílias com pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e hoje voltamos a abordar esse tema que deve ser constantemente debatido. Vocês sabiam que as pessoas com TEA precisam ser submetidas com frequência ao laudo que atesta essa condição? E que essa exigência traz transtornos para os pais já tão sobrecarregados pela dificuldade de acesso aos tratamentos, terapias e educação?

Foi a partir dessa informação, acompanhada de um apelo de familiares, que elaborei um projeto de lei que considera indeterminado o prazo de validade do laudo médico. Sabemos, felizmente, dos avanços e da possibilidade de mudança de grau de classificação, mas não há cura para o TEA. Portanto, precisamos diminuir a burocracia na rotina das famílias.

Embora só um pai ou uma mãe de um filho com TEA saibam realmente dos desafios, lutas e dores diárias, é dever de quem está dentro e fora da política se colocar no lugar dessas famílias. Isso nos torna mais humanos, contribuindo assim para que a inclusão não seja uma utopia, como já abordamos neste espaço.

Neste sentido, outros projetos de lei que também já protocolei na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) criam condições para o ingresso de pessoas com TEA no mercado de trabalho afinal, a inclusão precisa sair da teoria, do discurso bonito e ir para a prática. 

Neste sentido, o PL 748 autoriza a reserva de vagas de trabalho em órgãos da administração pública em todo o Estado de São Paulo e o PL 749 assegura o direito do portador de TEA a realização de trabalho compatível com sua aptidão e qualificação dentro das empresas. Ambos foram elaborados com base em leis que já tratam tanto da contratação de pessoas com deficiência quanto da definição da doença, ou seja, existe o embasamento legal necessário para que esses projetos de lei específicos para autistas avance.

A Lei Federal 12.764 considera autista pessoa com deficiência para todos os efeitos legais e a Lei 82.131 já obriga a empresa com 100 ou mais empregados a preencher de 2% a 5% dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas com deficiência. Contudo, é necessário garantir espaço específico de trabalho para o portador de TEA, que possui muitas características e habilidades, dentre elas o alto poder de concentração.

Vale lembrar que muitas pessoas com TEA possuem formação acadêmica e especialização em diversas áreas e essa capacitação intelectual pode trazer muitos benefícios aos autistas e às empresas, além de possibilitar mais integração desses profissionais no mercado e atrair o consumidor que valoriza corporações e marcas inclusivas.

Por outro lado, não sejamos ingênuos: há uma necessidade gigantesca de mais investimentos do poder público para o atendimento dos autistas desde os primeiros anos de vida, proporcionando acolhimento e condições de preparação para as fases seguintes, inclusive para o trabalho. Não por acaso, fiz questão de destinar uma das minhas primeiras emendas para ampliação do serviço público para os autistas em nossa região, mas precisamos de muito, muito mais. Muitas leis existem e precisam ser fiscalizadas e cumpridas. Mas outras, como essas que apresentei, precisam ser aprovadas para corrigirmos abismos que ainda favorecem tantas injustiças na vida das pessoas com TEA e suas famílias. Por isso, essa é uma causa que não é só do dia 2 de abril, data de conscientização, ou do abril azul, mas de todos os dias para quem está dentro da política e fora também.


JORNAL A CIDADE - 23 DE ABRIL 2022




  

terça-feira, 26 de abril de 2022

AFINAL, O QUE QUEREM AS MULHERES

Da literatura à dramaturgia, a busca por essa resposta é mais atual e necessária do que nunca, mesmo depois de dois séculos da clássica pergunta feita pelo psicanalista Sigmund Freud. Evidentemente que essa reflexão, seja do ponto de vista individual e cotidiano até às questões macros e complexas, é das mulheres. E para isso, elas precisam ser ouvidas. E para isso, precisamos ouvi-las e, a partir daí, enquanto pais, maridos, líderes, liderados, políticos, nós todos, enquanto sociedade, criarmos condições para que os anseios femininos deixem o campo da meta e se tornem realidade afinal, não são pautas só do dia 8 de março.

Com base nos relatos das mulheres, nas demandas que recebo e nos índices alarmantes de desigualdade (em todos os estados e no Distrito Federal as mulheres recebem remuneração média inferior à dos homens), insisto na necessidade de políticas públicas que as tornem mais independentes e fortalecidas. Aliás, a dependência financeira também está associada ao silêncio nos casos de violência, pois muitas vítimas não denunciam porque dependem economicamente dos seus agressores.

Portanto, quando luto por mais creches, escolas e ensino integral por exemplo, entendo que além de investir na educação das futuras gerações, estamos possibilitando que as mulheres tenham segurança para ter uma carreira (se assim desejarem) e buscar seu próprio sustento. 

Quando um gestor público implanta programas inteligentes e criativos de incentivo ao empreendedorismo, fornecendo crédito e qualificação, está contribuindo na luta pela igualdade entre homens e mulheres que ainda são, em sua maioria, sobrecarregadas em suas jornadas e papeis em detrimento aos homens. Quando empresas adotam políticas internas de valorização das mulheres, não somente em relação a cargos, mas aos salários também, começamos a vislumbrar chances mais reais de redução das diferenças.

Há 90 anos as mulheres conquistavam o direito ao voto. Muitos avanços surgiram desde então, mas não no ritmo que precisamos para enfrentarmos tantos reflexos da desigualdade. 

As mulheres que antecederam as trajetórias de lutas até aqui não se sacrificaram para que outras mulheres sejam, até hoje, vítimas de rótulos, padrões, sobrecarga e violência que tornam o Dia Internacional da Mulher uma data de muito mais reflexão do que comemoração. Essa causa não é só delas. Essa responsabilidade é de todos nós!


JORNAL A CIDADE 5 DE MARÇO DE 2022



AUTISMO: A INCLUSÃO AINDA É UTOPIA

O que sente uma mãe ou um pai de um filho com Transtorno do Espectro Autista (TEA)? Medo, insegurança, desespero, esgotamento, entre tantos sentimentos. 

Qualquer pessoa de bom senso sabe que uma das condições que nos define como seres humanos é o sentimento de grupo e, portanto, também a empatia. Porém, não basta defender o discurso politicamente correto sobre inclusão. É preciso garantir condições de inclusão.

Em um ano como deputado estadual desenvolvi vários projetos de lei e destinei recursos para ampliar o atendimento e promover mais dignidade às pessoas com autismo e os seus familiares. São alguns passos decisivos para uma caminhada que é longa. 

Confesso que quanto mais escuto os desabafos dos pais e as informações dos especialistas, mais tenho convicção de que precisamos encarar esse desafio crescente de maneira mais séria, incisiva e parar de romantizar a inclusão. Caso contrário, continuará no campo da utopia. 

É evidente que queremos e temos o dever legal e humanitário de lutar pela inclusão, mas passou da hora de deixar o blablabá de lado e ir para a prática. Fiz e darei andamento aos meus projetos de lei que definem regras para a contratação de pessoas com TEA nos setores público e privado. Felizmente algumas empresas já abriram as portas para essa demanda. Mas, se a crianças autistas não tiverem acesso desde cedo a uma rede de atendimento público estruturada, que autonomia desenvolverão? Quais condições terão de ingressar no mercado mais tarde?

Revisitei um artigo que escrevi ainda bem jovem em meu blog, em 2016, quando fazia essa reflexão, e pasmem: ele está mais atual que nunca. À época defendia um modelo inclusivo, a chamada “Clínica Escola”, com um sistema que integrasse no mesmo espaço diversos profissionais envolvidos no tratamento e na educação dos autistas, ajudando as famílias e os autistas nos tratamentos de saúde, nas atividades terapêuticas, na socialização, no desenvolvimento das habilidades e no aprendizado, respeitando as características de cada um.

É dessa inclusão que precisamos e não de demagogia. Essa inclusão verdadeira requer investimentos e há recursos públicos para isso! Requer visão humana do gestor público também. Requer empatia e desejo de encontrar soluções porque problemas os familiares já enfrentam e não são poucos. 

É possível sim ofertar estrutura especializada para autistas com professores treinados, fonoaudiólogos, psicólogos, psiquiatras, pedagogos, neuropediatra, nutricionistas, fisioterapeutas, além de práticas como equoterapia, natação, cinema para autistas, terapia ocupacional, terapias comportamentais, entre outras ações. É disso que o autista precisa e não ser tratado como mais um na fila, a espera de vaga, ou inserido em locais que se assemelham muito mais a um depósito de pessoas do que um centro de atendimento.

Vale lembrar que o tratamento é obrigação do estado e que Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) garante o direito à educação regular e tratamento médico às crianças e adolescentes especiais. 

Não por acaso muitas famílias travam batalhas judiciais com órgãos públicos em busca de tratamentos, mas essas soluções são pontuais e não substituem a necessidade de políticas públicas e investimentos para os atendimentos aos autistas.

Poderia finalizar esse artigo como números alarmantes da doença. Mas prefiro sugerir uma reflexão: se coloque por alguns instantes no lugar de um pai ou de uma mãe cujo filho acabou de receber o diagnóstico de TEA. 

Além do impacto emocional, onde encontrarão respostas para as perguntas inevitáveis: O que vou fazer? Como vou conseguir o dinheiro para o tratamento? E o futuro do meu filho quando eu já não estiver mais aqui?


JORNAL A CIDADE - 29 DE JANEIRO DE 2022