*Murilo Félix
“Todo homem tem o sagrado direito de torcer pelo Vasco em arquibancada do Flamengo.”
Millôr Fernandes, em O Livro Vermelho dos Pensamentos de Millôr.
Vivi esta experiência na pele em 12 de abril de 2009, quando fui ao estádio do Pacaembu assistir ao meu São Paulo enfrentar o Corinthians. Na verdade, o interesse maior era ver pela primeira ao vivo um dos meus maiores ídolos no futebol, que, embora vestisse a camisa do adversário, continuava a ser para todos os torcedores o Ronaldo Fenômeno que deslumbrou o mundo ao dar o pentacampeonato ao Brasil ao marcar os dois gols da final contra a Alemanha em 2002. Houve, no entanto, um contratempo: não havia mais ingressos na torcida são-paulina. Não tive dúvidas: fui exercer o sagrado direito de que falou Millôr Fernandes no meio dos corintianos.
A experiência me serve de bússola política nesses tempos de polarização, em que o Brasil parece dividido entre as turmas do “nós” e “eles”, como se ter uma posição política, desde que avalizada pelo Estado Democrático de Direito, fosse uma ofensa a ser combatida pelos que professam outro credo. Centrista de formação, me equilibro entre os extremos que se ofendem e travam a disputa político-partidária como se fosse uma batalha campal, em que a vitória só tem sentido se for seguida da destruição do adversário – na verdade, tratado como inimigo mortal. Chegamos ao lamentável ponto de nem se poder sair à rua com uma camiseta ou adesivo partidário, sem o risco de ser hostilizado e até agredido.
Tais reflexões vêm a propósito da campanha eleitoral que estou realizando pela reeleição a deputado estadual pelo Podemos. É minha quarta campanha, pois também concorri à Prefeitura de Limeira em 2016 e 2020 – e nela, como nas anteriores, me engajo com o firme propósito de mais expor minhas propostas do que atacar os concorrentes. Não pratico e desaprovo quem pratica agressões de qualquer tipo, sobretudo as baseadas em ofensas pessoais e calúnias contra a honra do outro. Jamais me vali das chamadas fake news nos debates francos que travei. Sigo um conselho do ex-deputado Ulysses Guimarães: “Na política, em geral, e especialmente no poder, se você não pode fazer um amigo, não faça um inimigo.”
Desde cedo, aprendi com meu pai, Sílvio Félix, prefeito de Limeira de 2005 a 2012, que a Política – com pê maiúsculo – é a arte de administrar os conflitos. É a ferramenta que os democratas utilizam para se habilitar ao poder na democracia representativa, atuando em nome dos eleitores que concordam com o programa apresentado pelo candidato. O Legislativo, principalmente, poder popular por excelência, é a representação perfeita do mosaico da sociedade, acolhendo as diversas correntes e ideologias em um só ente do Estado. É a casa do pluralismo, da multiplicidade, dos grupos, os quais, embora segmentados e fiéis a suas posições, convivem respeitosamente em busca de consenso que atenda ao interesse público. Se se formam maiorias e minorias, se existem situação e oposição, todas são respeitadas e tratadas entre si pelas regras sagradas da convivência democrática.
Quem exerce cargo público se deve manter fiel ao programa que o elegeu, mas sua missão é servir não apenas a seus eleitores, e sim ao conjunto da sociedade, ocasionalmente até atuando em parceria com os membros de outros partidos e de ideias diferentes em prol do bem-estar da coletividade. Como deputado, tenho aprovado emendas que beneficiam a população de Limeira com recursos para as áreas de saúde, educação, transportes e habitação, independentemente de ter concorrido com o atual prefeito na eleição de 2020 e de ele ser meu adversário político. Vale mais a lição de Napoleão Bonaparte: “Em política, convém curar os males, nunca os vingar.”
Recentemente, criei uma novidade quando solicitei aos vereadores, também sem discriminar partidos, que indicassem a destinação fatiada de uma emenda de R$1,050 milhão que aprovei na Assembleia em benefício de Limeira. Considerando que eles conhecem mais a fundo as necessidades da cidade, puderam escolher as áreas carentes em que a verba será aplicada. Um do PL destinou R$ 100 mil para a aquisição de um ventilador mecânico a ser usado pelos pacientes de covid-19 internados na Santa Casa. Outro, do Cidadania, indicou o investimento de R$ 50 mil na saúde, divididos entre o Dispensário Madre Teresa de Calcutá e Comunidade Católica Davi. A vereadora do PT também atendeu à área da saúde com R$ 50 mil. Por indicação conjunta de representantes do Republicanos, PV, PSC, PSDB e MDB, R$ 350 mil serão aplicados em habitação – e assim por diante, todos conservando suas posições distintas, mas marchando juntos em favor do povo.
P.S. Naquele domingo de 2009, quando Cristian fez um gol no São Paulo, eu, são-paulino na torcida do Corinthians, fui abraçado por um armário de dois metros de altura, completamente suado, que me jogou para cima de tanta alegria. Não comemorei, claro, mas sabe Deus se não teria aplaudido se o gol fosse do Fenômeno...
*Deputado Estadual