segunda-feira, 14 de maio de 2018

O QUE FALTA É CORAGEM

Nessa semana assisti novamente a um filme do qual gosto muito, Perfume de Mulher (1992). Nele, o protagonista Coronel Frank Slade (Al Pacino) nos dá uma lição. Mesmo cego, convida uma mulher desconhecida pra dançar tango. Ela assustada hesita, preocupa-se em cometer um erro, ele então responde: “não há erros no tango, (...) não é como a vida”. Eles então dançam tão naturais como se houvessem treinado há tempos. A harmonia da música e a elegância dos dançarinos escondem de nós a dificuldade que é estar ali. Ainda mais para Slade, cego. No programa Britain’s Got Talent, Susan Boyle fez o mesmo; em uma plateia desacreditada, ela se superou ao cantar “I Dreamed a Dream” (Les Misérables). Muitas vezes passamos por momentos em que o caminho a ser seguido é o mais difícil. Em que além da vontade, da capacidade precisamos de coragem, foco. Pessoas que fazem isso ficaram no passado, a sociedade do bem-estar criou pessoas preocupadas com a imagem nas redes sociais, com a vestimenta que irão usar, mas com pouca coragem e vontade para tomar atitudes difíceis, com poucos ensinamentos para se tornarem relevantes naquilo que trabalham. Estamos construindo uma sociedade de pessoas vazias.

Fernando Sabino, jornalista e poeta brasileiro, escreveu: “De tudo ficaram três coisas, a certeza de que estamos começando, a certeza de que é preciso continuar, a certeza de que podemos ser interrompidos antes de terminar. Façamos da interrupção um caminho novo, da queda, um passo de dança, do medo uma escada, do sonho, uma ponte”. O que nos falta? A certeza de que podemos fazer um novo caminho. Quantas pessoas hoje teriam a coragem de Susan Boyle? Mas há uma esperança, fiquei sem palavras ao assistir “The Voice Kids Brasil” quando Claudia Zanetti cantou “Girl on Fire” com apenas 15 anos, surpreendeu a todos pela qualidade e coragem. Yasmin Giacomini, de apenas 10 anos, enfrentou a plateia, cantou e emocionou. São crianças, pessoas raras que desde jovem demonstraram coragem, algo que falta para tantos outros adultos de hoje em dia. São pessoas raras diante do tipo de gente que estamos formando em todo o país.

Em Perfume de Mulher, no discurso final, em defesa do amigo, Slade diz: “quando o galho quebra, o berço cai, (...), forjadores de homens, cuidado com os líderes que estamos produzindo. (...) Coragem, integridade. É disso que líderes deveriam ser feitos”. Talvez ao invés de começarmos a reclamar tanto de onde estamos, poderíamos pensar no que nos fez chegar até aqui. Falta de coragem, falta de vontade. O remédio, quase sempre amargo: preparar-se. Correr o risco, tomar a atitude. Afinal, se der certo, felicidade, se não, sabedoria. Fazer da queda, um passo de dança.


Murilo Félix

Administração de Empresas pela FGV-SP
Ciência Política e Investimentos em Países Emergentes na Harvard, EUA
Administração Financeira e Marketing pela HEC Montréal, Canadá
Empresário e produtor de Plantas em São Carlos

murilo@novojardim.com

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